sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Que é, de feito, o Estado?

"Que é, de feito, o Estado? Um sistema, uma escola, uma opinião, uma filosofia, um culto, uma verdade? Não, sem dúvida nenhuma. O Estado é apenas a organização legal das garantias de paz comum e mútuo respeito entre as várias crenças, convicções e tendências que disputam, pela propaganda persuasiva, o domínio do mundo. A verdade científica, a verdade moral, a verdade religiosa estão fora da sua competência. É na região superior do espírito, é na esfera livre das consciências que elas se debatem, caem ou triunfam. Transpondo esse termo, exorbitando do círculo onde se lhe encerram as altas prerrogativas de representante da grande personalidade nacional perante as outras e protetor do indivíduo na sua tranqüilidade, na sua propriedade, na sua liberdade, excedendo esses limites, já o Estado não é mais essa eminente abstração moral, armada dos recursos da força coletiva, por interesse de todos, em apoio do direito de cada um; desaparece-lhe esse caráter impessoal, que constitui a sua eminência e a sua legitimidade, para deixar em relevo, descoberto, nu, em todo o odioso das paixões pessoais, ou do espírito de parcialidade que o anima, o grupo, mais ou menos numeroso, dos homens que governam. Se o Estado não tem fé, nem escola, essa neutralidade, igualando às de todos a religião e a opinião dos homens que atualmente ocupam as posições supremas, é a segurança imparcial de todas as escolas e de todas as crenças; mas, se é legítimo que o Estado tenha um molde obrigatório para o culto, ou para o ensino, longe de assentar, com isso, a perpetuidade eterna de uma verdade, não estabelecereis senão a inamovibilidade da intolerância."
Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, DF
Obras Completas de Rui Barbosa.
V. 10, t. 2, 1883. p. 5

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